David Bowie, do futuro para São Paulo

Exposição ‘David Bowie Is’ chega ao Brasil para mostrar o universo de referências e inovações do ‘camaleão do rock’; Marina Person, André Frateschi e André Barcinski comentam sobre o artista

David Bowie

[Por Andréia Martins*]

Num tempo onde os artistas estão cada vez mais em contato com o público, principalmente nas redes sociais, David Bowie prefere manter distância. Afastado dos holofotes desde um ataque cardíaco em 2004, durante uma turnê, ele mudou seu estilo de vida e ficou dez anos sem lançar um novo trabalho, até que em 2013 quebrou o hiato com um dos melhores discos do ano, The Next Day, gravado sem que ninguém desconfiasse.

A curiosidade dos fãs por esse universo misterioso do “camaleão do rock” fez com que 40 mil ingressos para a exposição David Bowie Is, no Victoria and Albert Museum, em Londres, no ano passado, fossem vendidos antecipadamente, um recorde para o local. Uma procura semelhante deve acontecer em São Paulo, onde a mesma mostra desembarca no Museu da Imagem e do Som (MIS), no dia 31 de janeiro. Ao todo são 300 peças expostas, entre fotos, vídeos, roupas, filmes, set lists, manuscritos, instrumentos e discos.

Na exposição, além da música, cinema e moda também entram na trilha de Bowie. Estarão expostos figurinos como o terno azul-claro usado na gravação do curta feito para a música “Life on Mars?”, do disco Heroes (1971); a calça e jaqueta multicoloridos de Freddie Burretti usadas na turnê Ziggy Stardust (1972-1973); o macacão assimétrico feito de vinil por Kansai Yamamoto e a bota plataforma vermelha, peças da turnê do disco Aladdin Sane (1973), entre outros. Segundo os curadores da mostra inglesa, Bowie não quis interferir na exposição.

O ator e cantor André Frateschi, à frente da banda Heroes, que há dez anos faz covers de Bowie, também dará as caras pelos corredores do MIS com apresentações especiais. Ele não revela como serão os shows para não estragar a surpresa, mas não esconde a admiração pelo artista. “Eu já gostava do Bowie desde criança. Não me esqueço da capa do Aladdin Sane (1973), que me deixou ‘louco’. A impressão era de que ele era um super-herói que ninguém conhecia. E não era só isso. Ele cantava. Então era demais, porque, tipo, o Super-Homem não cantava (risos)”.

Para o ator e músico, a grande revolução de Bowie “veio com Ziggy Stardust, quando ele se assumiu como um personagem. Na sua multidisciplinaridade, ele conseguiu juntar todas as áreas e ser um cara importante para a cultura pop do século 20. Ele olha e faz o que ainda virá em dez anos”.

Alienígena que vem à Terra para salvar o planeta, Ziggy foi apenas um dos personagens criados por Bowie (ao lado de The White Duque, Diamond Dog e Aladdin Sane). Ziggy aparece no disco The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972), considerado por muitos como o melhor trabalho daquela década.

Figurinos de Bowie expostos no Victoria and Albert Museum (Divulgação)

“Ele bancou um personagem do início ao fim, criando uma história para ele. Hoje os artistas mudam muito rápido, não dá tempo de assimilar. A Lady Gaga, por exemplo, tem uma referência do Bowie, mas não dá tempo de assimilar, porque a cada aparição é uma personagem diferente”, comenta a apresentadora de TV e cineasta Marina Person.

Ao falar de cinema, que também tem um espaço na carreira de Bowie, Marina cita Fome de Viver, de 1983, que, para ela, representa um dos melhores momentos do artista nessa área. Ele protagoniza uma história de um casal de vampiros em Nova York.

“A carreira musical é muito mais consistente que a no cinema, mas completa o artista, é algo que ele faz por esporte, e se arriscar em diferentes produções é algo que já é da personalidade dele”, diz Marina, que também cita o filme da turnê Serious Moonlight Tour, a mais longa feita por Bowie. Para ela, as duas produções são o retrato de uma época. “Me lembro que ganhei essa fita, ainda VHS, de presente da minha mãe, e eu fiquei bem feliz. Tem tudo o que você pode imaginar: roupas coloridas, fumaça, gelo seco, é bem anos 1980”.

Outros filmes que destacaram Bowie, como Christiane F. – Drogada e Prostituída (1981) e Labirinto, de 1986, também poderão ser vistos na mostra paralela da exposição com os longas feitos por Bowie. Essa programação ainda não foi divulgada.

DÉCADA DE 1970: OS ANOS DOURADOS DE BOWIE

Para o historiador cultural Peter Doggett, autor de The Man Who Sold the World, livro que revê a trajetória de Bowie nessa década e chega ao Brasil este mês, os anos 1970 foram “abraçados por Bowie” e, em termos criativos, representam seu melhor momento. “Como os Beatles na década anterior, Bowie foi o guia mais confiável da cultura popular para a febre dos anos 70. A vida e música dos Beatles tinham refletido uma série de mudanças e oscilações no comportamento de sua geração. A década de David Bowie era bem mais difícil de controlar”, comenta Doggett na obra.

A década merece mesmo uma estrela na obra de Bowie. Foram 11 discos, entre eles The Man Who Sold the World (1970), Ziggy, Aladdin Sane, Diamond Dogs (1974), Young Americans (1975) e a Trilogia de Berlim, com os álbuns Low, HeroesLodger, gravados entre 1977 e 1979.

“Bowie foi o artista que melhor entendeu os anos 1970, compreendeu o tempo em que ele estava”, diz o jornalista André Barcinski, colunista do R7. “Ele nunca lançou uma tendência, por exemplo, mas soube reconhecer o que estava no ar e adaptar com a cara dele. Ele não foi o primeiro artista do glam rock, ou o primeiro a misturar rock com eletrônica, ou a cantar músicas de cabaré, mas soube colocar algo novo. E nunca fez nada saudosista”, completa o jornalista.

Escolher um momento na carreira de Bowie é missão difícil para o jornalista, já que se trata de uma obra diversificada, mas Barcinski destaca o disco Low. “Foi um disco muito influenciado pelo Kraftwerk, com uma sonoridade diferente do que se fazia na época”. Nesse período, David se aproximou de artistas como Iggy Pop e dos produtores Brian Eno e Tony Visconti enquanto viveu na cidade alemã. “Os discos da Trilogia de Berlim são atuais, com uma atmosfera em que ele vai buscar referências eletrônicas, embora seja um disco de rock”, completa Frateschi.

Nas décadas seguintes, Bowie levou sua música ao pop dançante, buscou novas sonoridades e fez mais incursões pelo cinema, além de se dedicar à pintura. Para quem ainda não o conhece tão bem,David Bowie Is é a melhor oportunidade para mergulhar na vida e obra do camaleão. Para quem já é fã, um prato cheio. E se você ainda precisa de mais argumentos, Frateschi provoca: “Bowie é o último grande herói vivo do rock alternativo. Hoje a proposta artística é diferente, não temos mais uma cena para formar esse tipo de herói”.
David Bowie Is

Onde: Museu da Imagem e do Som – Avenida Europa, 158

Quando: de 31 de janeiro a 20 de abril de 2014

Quanto: de R$ 5 a R$ 10 na bilheteria do MIS; R$ 25 pelos site da Ingresso Rápido

*Matéria publicada originalmente no site SaraivaConteúdo. Acesse aqui

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