Noite Paulistana

Da Leoni completa 1 ano, teme pelo futuro da Augusta e reforça seu foco na música 

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[Por Eduardo Lemos, para o site Azoofa]

Ao passar pela rua Augusta naquela quinta-feira à noite, o que se via era a cena de sempre: muitos bares, casas noturnas e restaurantes abertos, muita gente descendo ou subindo as calçadas que levam do Centro ao Jardim Paulista, muito barulho oriundo da intensa circulação de carros, ônibus e conversas que se dão em alto volume. Aparentemente, é a boa e velha rua Augusta. Mas um olhar mais atento – e um papo com quem conhece de longa a data a icônica alameda paulistana – revela que muita coisa por ali mudou.

A tal da especulação imobiliária trouxe prédios residenciais para onde haviam casas de shows; pequenos bares cheios de personalidade, história e preços baixos foram trocados por padarias gourmet. E a concorrência – especialmente a Vila Madalena e o Centro – deixou a rua Augusta, notadamente às quintas-feiras, mais quieta.

Em meio a tantas transformações, também há boas novas. Na última sexta-feira (19), a rua Augusta comemorou o primeiro ano de vida do Da Leoni, casa de shows que ocupa o mesmo número 591 que outrora deu vida ao Studio SP. Filho mais novo da rua que ainda tem como rebentos ilustres nomes como Beco 203, Inferno, Astronete e Outs, dentre outros, o Da Leoni vem firmando-se como uma casa dedicada mais à música do que a balada. Ali, a terça-feira é dedicada à nova cena da música paulistana (Noites Café com Leche); quinta-feira é dia de shows de rap e hip hop; na sexta, quem sobe aos palcos são bandas de rock; e, aos sábados, o espaço recebe grandes atrações e festas.
Nestes 365 dias de vida, o Da Leoni recebeu uma multidão para assistir ao show de Lobão, teve noites de pistas vazias durante a Copa do Mundo e testou diferentes programações. Quando abriu, em setembro de 2013, o intuito dos sócios Rodrigo Martins e Sérgio Spinella era continuar a missão do Studio SP: ser o espaço de referência de novos artistas e bandas que não transitam pelo grande circuito de shows. A transferência de público, porém, não se deu automaticamente, e o Da Leoni viu-se obrigado a reinventar sua programação artística já em 2014. No lugar de música autoral, grandes shows – Emicida, Planta e Raiz, Flora Mattos. Ao invés de noites open bar – tendência na maiorias das casas da rua Augusta atualmente -, o Da Leoni optou por dias e festas temáticas.

Naquela noite de quinta-feira, às 23 horas do dia 18 de setembro – ou seja, a 1 hora do Da Leoni comemorar seu primeiro ano – o empresário Sergio Spinella, 33, recebeu a reportagem para um papo sobre o futuro da rua Augusta, o desafio de se formar público em uma noite cada vez mais cheia de concorrentes e, claro, o aniversário da casa. “Um ano depois, estou cansado e feliz”.

Você e o Rodrigo não eram empresários da noite até abrirem o Da Leoni. Você veio de que área?
Sérgio Spinella: Tive empresa um bom tempo, e hoje eu continuo trabalhando nessa área, mas como representante. Não tem nada a ver com noite. Até por isso, esse ano foi complicadíssimo. Pra associar as duas coisas foi dificílimo. Mas graças a Deus as coisas andaram e o Da Leoni tomou uma forma.

A tua experiência, então, é mais como frequentador da noite…
Cara, eu sempre vivi a noite, eu nunca vivi da noite. Comecei a frequentar a noite na década de 90. Ia muito ao antigo Nias, na rua dos Pinheiros. Era uma casa que só tocava rock. Ali eu tive meus maiores porres. Não só meus, mas também do meu sócio, que é meu amigo de infância.

Nessa época vocês já planejavam abrir uma casa?
Sempre tivemos esse sonho, desde moleques. Lembro que a gente passava férias em São Pedro, no interior de São Paulo, e várias vezes tentamos alugar alguma casa com o intuito de abrir um bar.

Quando vocês decidiram que a hora seria quando do fechamento do Studio SP, no ano passado?
O Rodrigo era mais frequentador do Studio do que eu. Então, ele tinha contato com os antigos donos. Quando eu entrei na história, ele já tinha fechado praticamente tudo. Lembro de ele me ligando num sábado 9h da manhã. Até achei estranho. “Aconteceu alguma coisa”, pensei. Atendi e ele falou: “A gente precisa conversar. Comprei uma balada pra gente”. Fui encontrá-lo, e aí ele me contou toda a história: que o Studio estava fechando e que os donos iam passar o ponto. Ele achou que a hora era aquela. Topei na hora. Já estava fechado mesmo… (risos).

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Qual o principal aprendizado nesse primeiro ano?
Que a noite é feita do dia. Se você não construir um bom dia, você não vai manter uma boa noite. Todo o trabalho do dia é que faz a noite acontecer. No começo, nós achamos que seria muito mais fácil. Primeiro, por ser na rua Augusta. Depois, por ser uma casa que já tem um histórico anterior, era uma casa conceituada… Mas não foi o que aconteceu. Nós achamos que herdaríamos o antigo público, e não foi assim. Hoje, com algumas ações que estamos fazendo, esse público começa a aparecer. Estamos conseguindo trazer esse antigo público pra cá de volta.

O público do Studio SP.
Sim. Nós éramos esse público.

Mas o Da Leoni nunca seguiu a proposta original do Studio – programação dedicada a bandas e artistas com trabalho autoral.
No começo, a proposta era só ter bandas novas com trabalho autoral. Só que… é difícil, é complicado. Então, tivemos que partir pra outras atrações mais conhecidas. Trouxemos Lobão, Planta & Raiz, Emicida, Flora Mattos… e com isso começamos a criar uma identidade. O Da Leoni virou o Da Leoni, sem vínculo algum com o Studio SP. Foi até bom, de certa forma, porque acabamos achando nosso próprio caminho.

A rua Augusta tem dezenas de atrações. Vocês sofrem com a concorrência?
Essa disputa é complicadíssima. Em alguns casos, chega a ser desleal. Nos finais de semana, por exemplo, boa parte das casas é open bar. Não é o nosso foco. A gente quer continuar com foco na música, não queremos que as pessoas venham só pela balada. Até fizemos uma noite open bar [a festa Controverse], que acontece uma vez por mês, mas é só.

Em 2015, o foco continua sendo a música?
Sim, boa música. Às quintas-feiras, nós abrimos espaço para o hip hop e o rap, que nunca tiveram espaço na rua Augusta. E isso é uma coisa curiosa. Quando eu era frequentador do Studio, há 5 ou 6 anos atrás, eu gostava de vir às quintas, era o melhor dia da semana. Hoje, vai lá fora ver: à 1h, a rua está vazia. Não sei o que aconteceu. A quinta-feira se tornou um dia muito difícil. Agora que pontuamos que às quintas-feiras rola rap e hip hop, sexta é dia de rock e sábado é festa e shows, isso está começando a mudar. Mas a rua anda muito difícil. Perto do que era, a rua Augusta acabou.

Nesse primeiro ano, qual objetivo do Da Leoni foi realizado?
Formar o público nosso e conseguir manter os shows. Conseguir que a galera venha por causa dos shows, e a partir disso fazer uma festa, e não ao contrário. Nós não queremos sair do palco. E evitamos ao máximo fazer festas só com DJ’s.

E o Noites Café com Leche é uma tentativa de voltar à música autoral?
É uma aposta né, cara? Acontece nas terças-feiras, das 20h às 23h30. É uma proposta que vem crescendo. Começamos há 1 mês e o retorno tem sido legal, principalmente de mídia.

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Mas é um trabalho a longo prazo, não?
Sem dúvida. Pra tirar o cara de casa em uma terça-feira cedo, é complicado. Mas está acontecendo.
Você acha que há uma dificuldade de formar público? Muita gente do meio anda reclamando que os shows já não atraem tanto público…
Cara, se não for um show grande, sim, é difícil. O público do Da Leoni, por exemplo, varia conforme a atração. Eu diria que de 60% a 70% está aqui por causa do artista. Quando detectamos isso, segmentamos a noite. Quinta é rap, sexta é rock, sábado é festa com show. A ideia é aos poucos o cara venha pra cá sabendo que tipo de música vai escutar, e que aquela música vai ser boa, independente de quem é a atração.

Parece que agora vocês estão acertando a programação da casa. Quem faz essa curadoria artística?
Nossos produtores são o Marcel Arruda e o Tiago. Eles entendem de música. A gente, não. É claro que temos nossos gostos e nossas opiniões, e tudo que entra na programação tem o nosso aval, mas sempre entendemos mais da noite do que de música.

E o que vocês pretendem melhorar nesse segundo ano?
Queremos melhorar nosso atendimento. Da hostess ao meu chefe de bar, eu quero investir em atendimento. O cliente tem que sair daqui muito satisfeito. É simples: você ganha o cliente tratando-o bem. Por exemplo, nós vamos montar um ambulatório aqui dentro [no subsolo da casa, área que o público não tem acesso e que hoje serve de escritório]. Se um dia meu cliente ficar bêbado, eu tenho um espaço para cuidar dele, com um bombeiro ao lado, com infra-estrutura de remédios e tal, para o cara fique aqui até melhorar. Queremos que esse projeto saia do papel até o final do mês.

O Studio SP culpou a especulação imobiliária pelo fechamento de suas portas. Ela já atingiu vocês?
Hoje a gente vê que não foi isso, né? Estamos aqui ainda… Mas é preocupante. Dizem que acabou (a especulação). E que do lado direito da rua não sobe mais nada. Acho que vamos descobrir o efeito disso quando terminarem os dois prédios que estão construindo aqui ao lado. Mas tenho medo da noite da rua Augusta acabar. Antes, a rua era “brega”, digamos assim. E hoje tá virando algo “chique”.

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A rua Augusta pode acabar?
Eu acho que vai demorar um tempo pra ela “acabar”. Principalmente por ainda ser um ponto turístico muito forte.

Políticas públicas de preservação da rua poderiam ajudar?
Eu acho que o poder público deveria olhar pra Augusta com outros olhos. Na Europa, há políticas de preservação de ruas turísticas. Isso deveria acontecer aqui.

Você acha que as ciclofaixas e o uso de bicicleta podem ajudar a cena de entretenimento da cidade?
Acho importante esse movimento que está acontecendo (ampliação das ciclofaixas). Se um dia o cidadão sair de casa de bicicleta para ir ao cinema ou ao restaurante, é sensacional. Mas é um processo difícil. E a primeira coisa é o cidadão se reeducar.

São Paulo é uma cidade com muitas atrações noturnas, mas a operação do metrô não é de 24 horas. Isso atrapalha?
Pra nós, empresários da noite, o metrô deveria funcionar 24 horas. Isso é fundamental e já deveria ter acontecido. O atual horário de funcionamento do metrô inibe as pessoas a frequentarem a noite. O cara não vai sair de carro se quiser beber. Se mora longe, não pega táxi, porque sai muito caro. É fundamental que o metrô funcione 24 horas. Isso seria uma revolução para a noite.

Falta união entre as casas de shows para brigarem por esses pontos?
Temos uma relação legal com as casas vizinhas. Não chegamos a criar uma assembléia para discutir temas que são de interesse comum. Mas é uma ideia boa. Eu acredito que quanto mais casas de shows abrirem na rua Augusta, quanto mais eventos acontecerem na rua, melhor pra todo mundo. Nesse caso, não existe concorrência. A concorrência é você ser melhor em alguma coisa, seja no atendimento ao cliente, no cardápio ou na programação.

A Copa do Mundo foi boa para o Da Leoni?
Não. A rua Augusta ficou morta. Nós abrimos no primeiro dia de Copa, colocamos bateria da escola de samba Camisa Verde e Branco descendo a rua. Deu 100 pessoas. 100 amigos nossos (risos). Não tinha turista por aqui. A Copa só foi boa, tirando aqueles problemas que vimos, para os bares da Vila Madalena.

Como você resumiria esse primeiro ano do Da Leoni?
Estamos satisfeitos com tudo que vem acontecendo, com tudo que conseguimos formar nesse ano, e animados com o que vem pela frente. Queremos nos tornar uma das melhores casas não só do Baixo Augusta, como de São Paulo. A gente está trabalhando muito pra isso.

foto de sérgio spinella | gustavo kamada

arte | belisa bagiani

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Eduardo Lemos é jornalista, ex-aluno de futuro promissor, ex-músico de gosto duvidoso e ex-meia direita que já fez gol que saiu no jornal. contato: eduardo@soulplay.com.br

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