A consciência jovem do rock’n’roll

Thurston Moore

Thurston Moore apresenta seu recentíssimo disco, lançado em abril deste ano, para plateia lotada em show na Califórnia

[Texto e Fotos por João Dias, de São Francisco]

Existe uma falsa sensação de leveza em Rock’n’Roll Consciousness, o recém lançado disco de Thurston Moore. Mantendo a sonoridade única que fez dele o 99º melhor guitarrista de todos os tempos (eleito pela revista Rolling Stone em 2004), Moore embala lógicas melódicas, riffs dissonantes e cria uma atmosfera noir com sua voz low profile. Não é difícil fazer uma aproximação entre o novo trabalho e sua antiga banda, o Sonic Youth. Diversos elementos constituintes do estilo do Sonic podem ser escutados nas músicas, inclusive o baterista Steve Shelley, também ex-Sonic Youth.

Com ingressos esgotados, o show de sexta feira (12), no The Chappel, em São Francisco, Moore mostrou que na música o menos é mais. A começar pela escolha da atração que abriu o show, Marisa Anderson, que com um apresentação intimista – sozinha com a guitarra na mão – tocou canções tradicionais com um tempero minimalista e moderno. Escolha certa para para o público que aguarda o Thurston Moore Group.

Pontualmente, às 10:15 da noite, a banda entrou no palco e abriu o show com “Aphrodite”, música do novo disco. Sem aquelas coisas de muita luz ou efeitos visuais ou ainda a inevitável pressa de show de festival, Moore conversou com a plateia (antes assisti o Sonic Youth em 2005, no “Claro Que É Rock”, e o último show da banda, que aconteceu no festival SWU, em 2011, ambos em São Paulo). Fez piada dizendo que o lugar (The Chapel, a capela em português) era o ideal para fazer um show, já que o disco foi gravado em uma ‘igreja’, se referindo ao Church Studios, em Londres – Paul Epwoth, produtor multi-premiado por trabalhos com diversos artistas, como U2, Adele, Paul McCartney e uma longa lista de famosos, foi responsável pelo trabalho.

Ao vivo, as afinações peculiares e notas dissonantes tocadas em conjunto se encaixam com peso e sensibilidade. No palco, duas jazzmasters subvertem notas enquanto Deb Googe (My Blood Valantine), a nova baixista, permanece impassível durante o show. Parece que se encontra em transe. Ela e Steve Shelley sustentam todas frequências e ruídos com dinâmicas sensíveis em alguns momentos e em outros, com explosões avassaladoras, pesado como se uma parede sonora desabasse sobre o público. Por duas vezes a banda retornou ao palco após a insistência dos fãs, ao final do show. No último bis, tocaram “Ono Soul”, famosa canção do Sonic Youth que deixou todos os presentes sem rumo.

thurston moore

Rock’n’Roll Consciousness pode parecer um disco mais solto e livre, mas, não se engane, foi muito bem pensado. A parceria com Radieux Radio, artista da cidade de Londres, que assina 3 letras das 5 faixas e as ilustrações do álbum, traz letras suaves e sonhos de coração aberto. Visualmente traduzido no videoclipe de “Aphrodite”, dirigido por Francis Coy, lembra um delírio hippie com sobreposições imagéticas quase alucinantes.

Thurston é um artista que consegue dar vazão à sua energia criativa. Após o fim do Sonic Youth, ele trocou Nova York por Londres (em 2013) e lançou 5 discos: Demolished Thoughts (2011), Vokokimthurston (2012, com sua ex-esposa e baixista Kim Gordon em um trabalho feito a convite de Yoko Ono), The only way to go is straight through (2013), The best day (2014) e Cut of Guilt, Cuts Deeper (2015). Além de sua constante produção musical, ele também é professor de poesia na Naropa University (Colorado), ministrando workshops durante o verão.

thurston-moore-rock-roll-consciousness-album-1493307942O que chama atenção no novo disco é a existência de uma narrativa executada nos primeiros takes. Criações espontâneas para o disco ficar natural, autêntico, sem forçar; assim Moore definiu os desafios de gravar esse álbum em uma entrevista ao site gringo the stranger. Por isso soa mais aberto à experimentação do que seus discos anteriores. Algumas pessoas consideram os ‘barulhos’ que fazem parte de sua música, um pouco excessivos. Mas a execução do conjunto se mostra precisa em arrancar ruídos e transforma-los em música.

O disco poderia ser escutado como Sonic Youth. Passaria batido. Ouvidos atentos percebem que James Sedwards, o guitarrista que toca com Thurston nesse disco, tem pegada, concepções harmônicas e presença bem diferentes do antigo guitarrista do Sonic Youth, Lee Ranaldo. Talvez seja esse o ponto que podemos perceber uma outra banda. O som dele é agressivo com uma pegada crua como Neil Young e suas linhas melódicas estruturam-se de forma mais usuais.

No final do show desta  sexta, percebi que essa estranha leveza que senti ao escutar o disco, se deve à sensação de ‘anos 90’ que sua música desperta. Um tempo de juventude (saudosista e prematuro) daquele momento histórico-musical. Ao vivo, a música e a performance e a atmosfera do lugar me levaram de volta a esse período. Essa leveza e o peso da apresentação do grupo indicam a potência do mais novo trabalho de um consolidado artista, que, hoje, com quase 59 anos de idade, ainda não perdeu o sentido sônico de um jovem nova-iorquino.

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