ENTREVISTA: João Gordo, o trabalhador

Publicado originalmente por Lucas Lima em 22 de março de 2018 no Eufonia Brasileira
João Gordo, do Ratos de Porão, fala sobre seu restaurante vegano em São Paulo: o Central Panelaço. Foto: Lucas Lima

Discos de vinil, música dos anos 60 no som ambiente, alguns exemplares de “Viva La Vida Tosca”, CDs, camisetas, quadros, estátuas de Baphomet e paredes coloridas. Poderia ser uma das lojas de discos que ainda sobrevivem, mas não é. Começo de tarde, hora do almoço. Por volta das 13h, o ambiente da Central Panelaço, restaurante vegano localizado no tradicional bairro do Bixiga, em São Paulo, começa a receber seus clientes. Lá para 14h, o lugar fica cheio.

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Famoso por ter sido idealizado por João Gordo, aos sábados o restaurante oferece a famosa feijoada vegana. Na equipe, a esposa de João, Viviana Torrico, comanda o atendimento. Mais duas funcionárias auxiliam na cozinha e conversam com os clientes na maior simpatia do mundo, até mesmo quando as coisas apertam. Todos que vão fechar a conta escutam a pergunta: “gostou da feijoada?” de alguma funcionária.

Eis, então, que surge, na escada de acesso ao Panelaço, de camiseta e shorts pretos, com brincos, piercings e uma barba branca de tamanho médio, o grande homem. João Gordo, 54, chega, atende os fãs, cumprimenta a mulher e funcionários e vai almoçar. Junto com a esposa, ri, conversa e, quando ela sai, se concentra no celular. Depois disso, é mão na massa. Atende os clientes, faz os pedidos, anda pelo espaço e pergunta se está tudo nos conformes.

“Aqui a gente faz de tudo, cara. Lavo louça, banheiro…é underground, né”, comenta João. E é realmente assim. Quando as coisas apertam, Vivi não hesita em pedir ajuda ao marido. E o próprio pausa a entrevista, claro, ordens da chefe. “Eu sou só o office-boy idiota. Quem comanda as coisas é ela. Ela é tudo”, conta João.

Há quase três anos na ativa, a Central Panelaço foi incentivada pelo canal do músico no YouTube, em que o mesmo faz entrevistas e ensina algumas receitas para a galera. Atualmente, Gordo divide seu tempo entre o restaurante, o Ratos de Porão e as gravações do programa Eletrogordo, no Canal Brasil. O Canal Panelaço, no YouTube, atualmente está parado por falta de patrocínio. Desde a criação do programa, João acumulou 216 mil inscritos.

Foto: Lucas Lima.

“A ideia era fazer o canal nos moldes do programa ‘Gordo à Bolonhesa’, que eu fazia na MTV. Só que lá não era comida vegana. Era carne, frango, salsicha, um monte de porcaria. Eu fazia com a minha esposa, na época que ela estava grávida de minha filha, Victoria. E tinha que entrevistar Zé do Caixão (82), Joãozinho Trinta (morto em 2011). Daí veio a ideia de fazer na minha casa. Fiquei fora da TV e, como meu forte sempre foram as entrevistas, fizemos o Panelaço”, conta o líder do Ratos de Porão.

Muitos nomes já passaram pelo programa. Nasi (Ira!), Sandra Coutinho (Mercenárias), Adriane Galisteu. Mas a entrevista mais repercutida é a com Mano Brown. Já são quase dois milhões de visualizações. “Conseguir os entrevistados, para mim, é muito fácil. Conheço todo mundo, pois trabalhei 12 anos na MTV. Eu liguei para o Brown e ele falou ‘eu só vou porque é com você’. O cara não dá entrevista para ninguém”, diz com orgulho. “E, no Panelaço, eu convido quem eu quero, quem eu gosto. Eu não gosto de entrevistar cara chato. No Eletrogordo, por exemplo, eu gravei umas 29 entrevistas nesta semana. Pô, foi Oscar Maroni lá e eu expulsei ele do meu programa. O cara é maior nazi, velho! Começou a falar um monte de merda, de pena de morte. Falei com meu diretor e não quero saber. Vou dar voz pra um fascista no meu programa?”, completa.

Foto: Lucas Lima.

João planeja continuar no YouTube, mas, por enquanto, está difícil. “O público exige qualidade. E custa dinheiro, cara. Às vezes, o áudio fica ruim e vem um monte de gente nos comentários falando que tá uma bosta. Estou à procura de um patrocinador. Já, inclusive, postei um comunicado a respeito disso. Não dá para tirar do bolso e ficar só satisfazendo vocês”, conta Gordo, em tom humorado.

O misto de canal e restaurante, claro, fez com que a figura de João ficasse ligada ao veganismo. Muita gente mudou os hábitos alimentares e procuraram saber mais sobre a cultura vegan por causa do vocalista. Mas ele não se sente um influenciador por causa disso.

“Tem bastante gente que vem aqui e que virou vegano por minha causa. Mas eu não me sinto porra nenhuma. Foda-se. Isto não me afeta. Agrega para causa, mas eu não fico orgulhoso, cara…é legal”, diz.

O canal Panelaço ficou famoso não só pelas entrevistas, mas, também, pelo clima descontraído, sem amarras e sem um tom militante. “Pelo fato de ser um bagulho desencanado, e de não ter que colocar o dedo na cara, as pessoas têm mais simpatia pelo meu projeto, se sentem mais à vontade de experimentar. O pessoal tem meio que um bode do veganismo, por causa desse negócio de ser uma coisa meio violenta, da galera ficar postando foto agressiva, de bicho morto, sabe? Meu canal mostra mais as facilidades do que as coisas terríveis”, ressalta.

O Veganismo

Falar de tudo isso é algo que faz João Gordo recorrer ao seu HD. Em uma mesa redonda, com quatro cadeiras, é possível ver o vocalista e empreendedor olhar para os lados, entre algumas pausas, para responder como tudo começou.

“Faz 14 anos que sou vegetariano. Fiz uma cirurgia de estômago e a carne ficou indigesta para mim. Comia carne, entalava na minha operação e eu ficava vomitando. Lógico que teve influência do pessoal do Ratos, do Boka (baterista), do Juninho (baixista). Eu estava pesando mais de 200 quilos, cara! Mas o negócio do vegan começou há uns quatro anos, que foi quando eu comecei a ter um problema de intestino. O médico falou que eu tinha ‘Síndrome do Intestino Irritado’ e que eu não poderia mais comer nada de laticínios. Eu também estava de saco cheio de comer ovo, estas coisas. Aproveitei e cortei tudo que era de vida animal. E, foi legal também, que eu comecei a me sentir bem ao não usufruir da exploração animal. A alimentação é o mais fácil nisso. Difícil é o resto. Por exemplo, eu tenho tênis de couro em casa, o banco do meu carro é de couro, eu uso remédios que são testados em animais. Não me considero vegano por completo. Em certas ocasiões eu acabo comendo queijo, pizza. Se eu estou em turnê, em algum lugar que só tem isto para comer, eu vou comer. Não dá. O Juninho morre de fome. Eu não”, ressalta João.

Além de estar de bem com a vida, João Gordo está satisfeito também com seus últimos exames. Pesando atualmente 130 quilos, o vocalista, que é diabético, hoje tem colesterol baixíssimo, pressão 12 por 8 e diabetes muito baixa. “Por eu ser obeso, minha saúde é ótima. Muito louco isso”, comenta.

Mas não é só pela saúde que João Gordo defende a causa vegan. É, principalmente, pelos animais. “Claro, no começo foi por saúde. Mas depois você vai lendo, estudando, conhecendo as coisas e vê a exploração. Foda-se a questão de ser saudável ou não. A questão animal é mais importante”, ressalta.

O restaurante

Não apenas um restaurante: a Central Panelaço vende camisetas, discos que vão do rock progressivo ao punk, produtos alimentícios, livros e até jogos de Playstation 2. Localizado na Rua Conselheiro Carrão, em cima da barbearia Cavalera, o local enche quando tem eventos especiais, como festas e sessões de autógrafos. O prato principal varia conforme o dia da semana. Há também opções de salgados e ovos de páscoa para época. Na rua, algumas cantinas e uma placa da tradicional festa de Achiropita. Lá de fora, é possível ver, na janela, uma foto de João com uma espátula na mão e o logo do Panelaço.

“A ideia inicial era que isto aqui fosse uma loja de discos. Mas, cara, eu estaria fodido”, dá risada. O restaurante, hoje, é a principal fonte de lucro do músico, mesmo tendo constantes turnês internacionais com o Ratos de Porão.

“Um solteiro consegue viver de música. Um cara casado, com filhos, pai de família, não”, conclui. João Gordo levanta, atende um casal: “Vão comer? Vão ver discos? Tem feijoada”. Vai ao balcão, anota os pedidos. “Eu tenho que trabalhar, cara”, diz ao repórter. Poderia até ser frase de outro João, mas este, realmente, põe a mão na massa.

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