Lá se vão 15 anos sem o mangueboy

Foto de Fred Jordão
Chico Science, em 1993
[Por Andréia Martins]

No ritmo, samba-maracatu-. No texto, letras pontiagudas. Este era Chico Science, que no dia 2 de fevereiro de 1997, morreu aos 31 anos, depois de bater seu Fiat Uno na divisa de Recife e Olinda.

Felizmente Chico teve tempo de mostrar a que veio na música, junto com sua turma de Recife: Fred 04, Nação Zumbi, Mundo Livre S/A e outros artistas que tentaram – e ainda tentam – fazer da música uma arte criativa, útil, rica em conteúdo e ritmos.

Fome, problemas urbanos, pobreza em Recife eram alguns dos assuntos que criaram a estética do mangue e que eram frequentes em suas músicas. O próprio manguebeat era um reflexo do caos do sistema e proprunha a ordem pelo caminho da desordem.

Chico levou a mistura manguebeat – embolada, maracatu  e rock – de Recife para o eixo Rio-SP, sendo um dos maiores representantes do Manguebeat, último movimento marcante da música brasileira, com direito até a manifesto, o “Caranguejos com Cérebro”, escrito pelo jornalista Fred 04, e símbolo, uma antena parabólica colocada na lama.

Pode parecer estranho, mas o que mais me chamava a atenção na Nação Zumbi era a guitarra. Riffs, dedilhados, o groove, o ritmo ora acelerado ora cadênciado disputa o espaço com a batucada, sempre pensei na guitarra de Lucio Maia como uma colcha de retalhos da sonoridade dos mangueboys, costurando tudo numa coisa só. A guitarra de Lucio é mistura, caos e transformação.

O objetivo da turma manguebeat era um só: como o mangue era o ecossistema biologicamente mais rico do planeta, eles queriam criar uma cena tão diversificada quanto a vida no mangue. E conseguiram, tanto que contaminaram aristas de outras áreas como a literatura e o cinema, e ajudaram a transformar Recife num pólo cultural.

O sucesso veio em 1993, quando ele fez uma rápida turnê do disco “Da Lama ao Caos” por São Paulo e Belo Horizonte. Bastou para que a mídia começasse a prestar atenção naquele rapaz baixinho, sempre usando roupas coloridas, chapéu e óculos, acompanhado da trupe da Nação Zumbi. Produzido por Liminha, o disco projetou a banda no cenário nacional com músicas como A Cidade, A Praieira e Da Lama ao Caos.

Em 1995 eles lançam “Aforciberdelia”, um dos melhores discos brasileiros de todos os tempos, com a mistura do maracatu com a eletrônica. Além de uma mega turnê nacional, a repercussão do disco foi tanta que pintaram convites para shows no exterior e até David Byrne – fã confesso da música brasileira e salvador da pátria de alguns artistas daqui, vide Tom Zé – manifestou interesse em lançá-los lá fora. Mas acabou brecado pela gravadora do grupo no Brasil.

Desentendimentos à parte, o disco já vendeu até hoje mais de 190 mil cópias. Além de Chico e Nação, o disco conta com as participações especiais de Gilberto Gil e de Marcelo D2. Um dos melhores momentos é a releitura de Maracatu Atômico, de Jorge Mautner, e as autorais Manguetown, Macô, Criança de Domingo e outras.

Com a morte de Chico, como acontece em todas as bandas que perdem sua principal figura, a Nação Zumbi ficou com um futuro incerto. Poderia tentar seguir o mesmo caminho ou dar um tempo, mudar o rumo. Ficaram com a primeira opção com algumas mudanças naturais e Jorge Du Peixe nos vocais. Responsa encarada com sucesso.

Hoje, artistas como Otto, Mombojó, Mundo Livre S/A, China, Lirinha, Karina Buhr, mantém a cena do Recife aquecida, e de certa forma, mantém vivo o que Chico Science começou. Longa vida ao mangueboy.

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