Em busca de um rock genuinamente brasileiro

Depois de sete anos, Marcio Tucunduva lança novo disco, Antimoderno, tira onda com os excessos e os modernos da atual música brasileira e abre seu baú de referências

[por Andréia Martins]

Depois de sete anos sem lançar um disco, mas compondo para trilhas e outros projetos especiais, Marcio Tucunduva retorna com um novo trabalho, Antimoderno (ouça em www.etanoise.com.br), tentando dar uma cara bem brasileira ao rock.
Cantor, compositor e guitarrista, Marcio começou na música tendo como “professor” ninguém menos que Raul Seixas. Aos 13 anos, Marcio descobriu que era vizinho de Raul. Superando a timidez, demorou para criar coragem e falar com o “ídolo”. Quebrada a barreira, com uma música e um violão nas mãos, virou aluno do baiano.
Marcio lembra que uma vez Raul perguntou que tipo de som ele fazia. Ainda iniciante, o jovem respondeu que tinha umas músicas e tocava guitarra. “Então você é igual a mim e ao John Lennon”, teria dito Raul. Ao ouvir que Marcio só havia composto uma única música, cheia de palavrões, o baiano soltou: “Minhas músicas também estão cheias de palavrões”.
“Comecei por causa dele. A hora em que eu ouvi o Raul, mudou meu paradigma”, comenta. Melhor referência de ousadia, originalidade e postura rock’n’roll, Marcio não poderia ter. Talvez por isso o novo disco traga letras inteligentes e bem sacadas. Resquícios do maluco beleza.
O disco começou a nascer em 2005, ano em que a faixa homônima foi composta. “Quando comecei a compor, já trabalhava com uma ideia de coesão. [O nome Antimoderdo] É em primeiro lugar uma brincadeira com esse tipo de música popular brasileira. Essa mpb muito bossa nova, com uma batidinha eletrônica ali, pouco original”, disse ele em entrevista por telefone ao Palco Alternativo.
Tucunduva se diz um pouco cansado da referência ao samba que todo o novo artista parece ter a obrigação de carregar na bagagem e do excesso de gente fazendo a mesma coisa, resultado do espaço que hoje as bandas têm, reflexo previsível de uma cena em ebulição em que a cada dia surgem mais e mais novas bandas.
“Eu que não nasci no berço da MPB não vou brincar de fazer samba / Eu que não nasci no berço só vou brincar de fazer samba antimoderno “, canta ele em Antimoderno, tirando onda com os ‘mudernos’.
Reflexões à parte, o disco reproduz bem o espírito mais rock’n’roll do músico, mas sem perder a brasilidade. “A gente [o disco foi produzido por Marcio e Marcos Ottaviano, referência do blues nacional, e conta ainda com Andrei Ivanovic, no baixo, e Mario Fabre, na bateria] quis fazer um rock bem brasileiro, mas sem usar pandeiro, triângulo, zabumba, sem nenhum desses instrumentos, por alguns motivos. Um deles é que eu estou mais roqueiro e o outro, porque as pessoas interpretaram mal o primeiro disco”, conta ele.
O primeiro disco, Etanoise, saiu em 2003 e ao contrário do novo trabalho, é mais um disco de música brasileira do que de rock. Para Marcio, o disco não foi compreendido.  “As pessoas interpretaram mal. O cara do rock falou que era um disco de forró, e o do forró falou que era um disco de rock… Talvez falte referência o ouvinte. A gente reclama hoje, mas antes eu ouvia de tudo no rádio, hoje as rádios tocam a mesma coisa e é empobrecedor”, diz ele.
Sobre a demora em lançar um novo disco, ele diz que foi “por falta de estômago”. “Música independente é muito cruel para quem faz, especialmente para um artista solo. As coisas foram se distanciando e eu também. Tinha que cuidar de imprensa, de onde vender o disco, lugar para tocar… Tudo isso tem que ter muito gás pra levar. Quem me tirou desse marasmo foi o Ottaviano. Tem coisas que você precisa de dois pra fazer”, diz Marcio.
Sete anos retomando o gás

Todo esse gás acumulado em sete anos resultou num disco original, tanto nas letras quanto nos arranjos, fazendo jus ao que hoje se chama de nova música popular brasileira ou mpb moderna, com lirismo, com ótimos riffs e guitarras pesadas.

No disco são claras as referências, desde as mais clássicas do rock- bandas como The Who, Frank Zappa, Jimi Hendrix – às mais brasileiras como Secos e Molhados, Novos Baianos, Alceu Valença e, talvez a maior delas, Raul Seixas, a quem o jeito de Marcio cantar lembra em alguns momentos.
Seja na faixa título e que abre o disco, um samba fake que logo descamba para o rock e já apresenta ao ouvinte o clima do disco, que é pop, rock, blues, com versos divertidos como “Eu ouço vozes / Mas já ouvi coisas piores”. Já no No meio do caminho traz uma levada mais pop e versos como “O vírus já tomou as minhas veias / Há muito tempo já não dou sinais de vida / Vou ter que refazer as minhas teias Vou ter que encontrar outra saída”, que podem ser uma referência ao tempo dado por Marcio para recuperar o gás perdido.
Em Que sabe a Cabra?, Tucunduva faz uma referência à música “Cotidiano de Chico Buarque, mas não há muito espaço para a mansidão da rotina de Chico: “Todo dia ela faz tudo sempre igual / Me sacode às três horas da manhã / Me dá logo um remédio pra tomar / E me manda direto pro divã”, e por aí vai.
Olha quanta coisa é talvez a faixa mais introspectiva do disco, que passa a sensação de que se está caminhando para o ponto final.”Já li tanta coisa sobre essa música, já falaram que era um protesto, depressão… Na verdade ela sobre pouca coisa me interessar, não só na música, é mais simples, sobre essa incapacidade de fazer tantas coisas”, diz Marcio.
A Amizade é a Mesma traz um dos melhores versos do disco: “Para mim basta / Pra você bosta / Amor também gasta / Quero te ver pelas costas”. Para fechar o disco, há o baião roqueiro Parafuso Horário, o pop sombrio de Caixa Forte, com ótimas distorções e uma batera pulsante, e Soladeira, para fechar em ritmo acelerado.
Agora, Marcio diz estar com novo gás e uma banda mais profissional para enfrentar de novo palcos e turnês. Agora, é só cair na estrada.

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